27/07/2009

Por Algo Maior

Estavas na mesma (os olhos profundos calados do que querias dizer). Foi por algo maior, justificas-te perante ti mesmo, olhas-me a querer mais, as mãos a pedirem o que a vida já não te deixa ter, o que não te deixa dar. É assim (encolhemos os ombros sem que nada tenha sido dito) para mim também, a quem, não muito tempo depois de a ti, também a vida impediu de estender as mãos.

Recordas num momento um espaço só nosso que existiu e ficou inerte, como uma casa abandonada, um espaço recheado de dores cavas e de segredos guardados, e de coisas que se deveriam ter mantido proibidas, a bem da inocência; repleto de ânimos leves, de decisões repentinas, de mentiras e desconsolos e outras pancadas violentas típicas das paixões.

Olhas-me e vês-me com o corpo esguio e o cabelo comprido de dezassete – como irás ver-me sempre – que muitas vezes negavas com um soslaio indiferente, desviando os olhos verdes até os pousares num nada, longe de qualquer traço da minha silhueta, da sua sombra sequer, como modo de me repudiar. Eram dúvidas, eram feridas, causadas por outros ou por ti mesmo, de que me querias fazer culpada; era uma mesma vontade de ser para sempre infeliz, de magoar, de fazer chorar para que depois pudesses chorar também. Uma determinação em caminhar para sempre sobre o cascalho árido de uma terra estéril que nunca acabasse, que nunca se escusasse, que nunca obrigasse, para que nunca fosse preciso ceder… Mantiveste o esgar em vez do sorriso, o brilho em vez da lágrima, o músculo hirto da cabeça que não deita, em vez do colo mole, as palmas que não pedem por chuva, que não pedem, porque nada querem esperar.
Vislumbraste tudo isto no sorriso obrigado, que agora tens como agradecido, de hoje; uma reminiscência, não apenas do que foste, como do que poderias ter sido; do que não foste, que não te deixaram ser, por bem de algo maior.