18/08/2008

Chão de Fogo

Era árvore à chuva acorrentada a um chão de fogo,

a queimar as folhas, a secar os prantos

sem pernas ou pés, apenas um tronco longo

que lograssem procurar-te por todos os cantos

os musgos e as heras p'ra me esconder.


Esperei por ti estavam já as flores secas,

passaram as chuvas e veio o gelo,

fiquei aqui a ver correr as águas frescas

e as andorinhas a dizer

o meu corpo não quis acolher.


Fui nuvem negra em terra onde nunca chove

arruinando anseios, recusando preces rogadas
fui Cristo numa cruz que não se move
nenúfar num rio de águas paradas
com estas chagas de ti a doer.

os meus membros murchos não quiseram senão consolar-se num abraço teu,
e este coração amargurado não se aquieta sem o teu amor, não pode o fogo extingui-lo nem o correr do tempo lhe há-de bastar.

na falta do teu o meu corpo foi-se retorcendo, um tronco de árvore adoecida de morte, cada vez mais fino a perder a seiva, a evaporar-se até ficar vazio. Uma morte sem morte verificada no tempo, no segundo fatídico, não,

as árvores não morrem como os homens, vão morrendo e ao aproximar-se o fim pode estar-se durante muito tempo sem saber se estão vivas ou mortas, sabendo-se apenas que estão condenadas.

A sua alma vai-se sumindo enfim com o passar dos dias e ninguém dará por isso, mesmo que o vento assobie nos troncos nús ou que alguém tropece nas suas cascas ocas.


§