25/04/2008

You Have No Secrets To Me Anymore

You have no secrets to me anymore
If you came from a world of stars and bells
to a world of hell
too bad you didn't tell and lead me there aswell.

You have no secrets to me anymore
secrets of the one so greater and sublime
in fact not so digne
I'm not sorry if you're not mine.

You have no secrets to me anymore
You were the one who was on wait
sorry to interrupt you as a fake
line that isn't even written in my fate...

11/04/2008

Gente

Subia, íngreme a ladeira, o sol quente a chapar-me as costas, as pernas e pés suados e escorregadios nas saias e nos sapatos a dar mais um passo, só mais um atrás do precedente, seguindo-se mais um a cada um, os olhos atentos aos paralelepípedos incertos.

Deixava para trás o bulício da feira cheia de coisas de gente, usadas e depois vendidas ou trocadas, por outra gente.

Fotografias antigas de antepassados fardados a General, sem pudor dos descendentes que, pela fome de hoje, desses bocados de si se desfizeram; puxadores de portas e gaveteiras manuseadas, abertas, fechadas, onde dedos entalados e choros e sangue pisado de alguém; vasos, vasinhos, vasilhas, cabaças, bibelots envergonhados de tão feios sabem que são; loiça desirmanada, chávenas de asa quebrada, roupa desbotada e sapatos por pés cambados; gente e mais gente, gentinha, gente normal, gente tonta, indigente, cheiro de gente, bocadinhos de vidas de gente, ali pousados nas bancas sem banca do chão, mil objectos frutos da vida da gente.

Calendários de anos passados e posters de artistas fora de prazo, discos riscados e ouvidos múltiplas vezes ou vez nenhuma, vozes de cana rachada a apregoar as t-shirts que escondem com rabo de fora os dvd pirateados legendados em português do Brasil, que agora é o de nós todos; lençóis com presunção a bordados, de tela colada a pincel, toalhas que deixam a fibra e a cor na lavagem, babetes de turco a monte para bolsado de bebé e, claro cuecas com cheiro a elásticos novos, pequenas, grandes, enormes e ultra, para a mulher portuguesa que se preza, soutiens com costas largas e cintas adelgaçantes com proporções dinossauricas.

Livros lidos, emprestados e nunca devolvidos, perdidos, amarelecidos ou com as folhas ainda por cortar a abre-cartas; cartas, também, cartas antigas do tempo da guerra colonial, escritas por homens a suas mulheres e por elas a estes pensando ser talvez essa a última lida, mas todas ali chegadas; cartas de jogo em baralhos incompletos, pratos de parede cheios de mau gosto e alusões a clubes de futebol; castiçais de cristal decerto roubados de alguma casa abastada, escondidos dentro de uma manga suja de vendedor, as salvas de prata debaixo da banca de manta, esperando o comprador certo que já as sabe ali; naperons e bordados feitos em fábrica, aros de guardanapos a necessitarem de ser areados, latas de biscoitos com tampas ferrugentas; brinquedos barulhentos de plástico made in China e rádios CD completamente acabados a reproduzirem roucamente hits de um século passado.

Neste sítio impossível de saber quem é quem, pois as coisas, as pessoas e os cheiros estão todos misturados, onde tudo anda na mão de toda a gente e não na de a quem pertence, subia a ladeira quente de paralelepípedos incertos, os carros e os humanos e máquinas de costura antigas a reclamar o seu não anacronismo, mas o estatuto de antiguidade. Subia de olhos no chão não fosse escapar-me a berma do passeio do pé ou encontrar caca de cão. De vez em quando levantava os olhos para marcar a distância que já levava daquela amálgama de coisas nelas cheias de pessoas; numa dessas vezes fixei o olhar em ti,

deixei-me da gente que passava por dentro e por fora, dos lados do passeio, eu gente também, também suada e decerto também com o meu cheiro a gente. deixei-me do chão pois os meus pés sentiram-se andar em algodão e o meu corpo perdeu o peso ao contemplar aquela visão, imagem de ti. viria a deixar-me da vida, naquele momento ali, assim que acabara de a encontrar...

senti a perturbação do teu olhar decidido, no meio de tanta gente, tanta e tanta gente que há no mundo, num mundo de desencontros e eu encontrar-te a ti.
soube-te assim que te vi.
era ser completo. Era alma adivinhada e encontrada, feita e à tua medida recortada.
A ofuscância do sol do fim da tarde, de feições enganadoras, após o dia sobejamente aquecido não ludibriou a verdade, que viria a preferir-se não revelada.
Enquanto te aproximavas constatei que os teus olhos me atingiam sem possibilidade de mensuração e soube-me pedaço daquele monte de gente, soube-me na terra, na condição dos que habitam, que hão-de amar, hão-de sofrer e hão-de morrer, como no pecado original.
A tua resposta veio uma pena de gaivota voando certeira e suave na única brisa que cortou a tarde, foi-me dizendo sem perguntas minhas que sim e que sim, como se tivesse tinta e do ar fizesse espelho e aquele instante bastasse para escrever a nossa história e deixá-la ali para alguém ler.
Assim que parou a brisa e o calor voltou a apertar e as gentes passaram por entre nós, deixando as suas marcas, os seus cheiros, as suas sentenças definitivas, os seus motivos e as suas vicissitudes. Cessou o breve momento em que se cruzou o nosso olhar e o ar povoou-se de imagens imprevistas, que baralharam o som da melíflua melodia que de ti emanava, viciante, que hoje ainda recordo no longe da memória,
e que ocultaram para sempre o que a alma lutava por nos explicar.

04/04/2008

Que Se Te Não Chega a Primavera

- Não te agastes
que não te chega a Primavera -

podem
os
pássaros voar

o meu cabelo cortar

os meus membros paralisar.


Mas a ti, amor, não te podem levar.


- Não te agastes
que assim não te chega a Primavera -

podem as núvens
chover até me afogar

ou o calor secar
o ar de respirar

a terra partir
e tudo desandar.


Não sei viver se o amor não me voltar.


- Não te agastes,
não se te chega a Primavera,

se te julgas
rã nascida do fungo no sapal

junco dobrado
a tantos outros igual
árvore ameaçada
pelo ronco do trovão
ou pássaro na lâmina
do bico do gavião,

não te agastes
que se te não chega a Primavera.

Sê fértil, abraça todos os filhos do teu largo
tal Mãe cheia de graça
raínha humilde de um reino de amor em ti fundado.

Sê amparo louvado, acede a todos os pedidos
filha, amiga, irmã,
serás
noiva, mulher, avó

Sê reduto de paz!

Mas não te agastes
que pode ser breve a Primavera!